GUILHERME ESTRELLA
31 de janeiro de 2020

“Tecnologia é pesquisa, desenvolvimento e projetos de engenharia”

A afirmação acima sintetiza a conferência proferida em Natal, há pouco mais de três anos, pelo geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção da PETROBRÁS. Principal líder da equipe responsável pela descoberta das enormes reservas petrolíferas do Pré-sal, Estrella retornou recentemente à capital norte-rio-grandense para participar do lançamento da campanha “Pelo povo potiguar, a Petrobrás fica no RN!”, que conta com o apoio de mais de 50 entidades.

Pela atualidade da abordagem, reapresentamos aqui a entrevista concedida em 28 de março de 2016, quando da realização da segunda edição do projeto “Na Trilha da Democracia”. Promovido pelo ADURN-Sindicato, SINDIPETRO-RN e Frente Brasil Popular, que teve o apoio da AGERN e da AEPET.

Conhecido por sua firme e intransigente postura em defesa da soberania nacional e afirmação da empresa brasileira de capital nacional, Estrella apresentou o Pré-sal como “uma das mais importantes e estratégicas riquezas da nossa pátria, absolutamente indispensável para que o Brasil, como nação soberana e detentora real de autonomia de decisão, eleve seu desenvolvimento social, econômico, político e tecnológico”.

Para Estrella, a energia, referindo-se ao petróleo e gás natural, é ponto central da soberania de qualquer nação importante no mundo, como o Brasil. Em seu retorno à Natal, em 2019, Guilherme Estrella segue reafirmando e denunciando as tentativas de desconstrução não só da PETROBRÁS, mas do País.

AGERN: Como se deu a descoberta do Pré-Sal?

É o resultado de todo um processo que levou à descoberta do petróleo em águas profundas. Todos os méritos são da maior empresa brasileira e que além de tudo deve manter seu caráter de fomentadora da indústria nacional. O Brasil foi o primeiro país no mundo a produzir petróleo em águas profundas. A PETROBRÁS ganhou vários Prêmios Internacionais da OTC – Offshore Tecnology Conference, considerado o Prêmio Nobel da indústria do petróleo. A partir daí, a empresa adquiriu musculatura nessa área de ciência, tecnologia e de projetos de engenharia. Nessa época o CENPES era um centro de pesquisa e desenvolvimento, mas tecnologia é pesquisa, desenvolvimento e projetos de engenharia. Você, primeiro, tem que saber projetar. Depois, construir, implantar e operar. Isso foi uma escola para a PETROBRÁS. Nós nos tornamos a maior empresa no mundo em tecnologias para produção em águas profundas. Uma empresa privada não faria o que a PETROBRÁS fez, não enfrentaria os riscos econômicos e geológicos assumidos para chegar ao Pré-sal.

AGERN: E a questão do endividamento da PETROBRÁS?

A situação do endividamento, em minha opinião, se deve aos grandes investimentos da PETROBRÁS, implantados pelo Governo Federal, entre 2003 e 2014. Porque, até 2002, com a queda do monopólio, a PETROBRÁS teve reduzida a sua participação no setor petrolífero nacional. É importante compreender que esta é também uma questão de Governo, já que a saúde da estatal diz respeito à soberania do país construída ao longo dos anos. Veja o exemplo americano que, na crise de 2008, aplicou capital em grandes corporações, por considerá-las estratégicas para a soberania norte-americana. O governo brasileiro tem essa obrigação em relação à Companhia, que é uma empresa estratégica para o Brasil; que não pode ficar sendo pressionada pelo mercado; não pode ser governada pelo mercado. A PETROBRÁS é uma empresa estratégica para a Soberania Nacional. Pessoalmente, acredito que esse é um problema do Brasil, do governo brasileiro, não é só da empresa. O caso da dívida da PETROBRÁS tem que ser olhado sob esse ângulo também, de preservar todo o patrimônio que foi construído nos últimos anos. Nós saímos de uma situação absolutamente dependente, em 2002, para uma situação de soberania absoluta em termos de energia e de construção de uma infraestrutura energética para o desenvolvimento industrial brasileiro. A dívida existe, mas ela precisa ser alongada. Existe uma crise mundial. Não há necessidade de acelerar a produção e esgotar as reservas em 20 anos. O Pré-Sal é para todo o Século XXI.

AGERN: O regime de concessão não deu certo?

Nesse caso, é necessário analisar o momento histórico imediatamente anterior à descoberta do Pré-sal. Naquela época, fazia-se necessário atrair novos investidores. O regime de concessão dá ao proprietário, ao consórcio ou à empresa concessionária, o direito pleno sobre o petróleo descoberto. Ele foi estabelecido com o propósito de estimular os investidores a assumir os riscos inerentes à exploração de petróleo. Em águas profundas, cada poço custa entre 50 e 60 milhões de dólares. Com a descoberta do Pré-sal, uma Província Petrolífera gigante que se estende do Paraná até Sergipe, minimizaram-se os riscos. Houve, então, a necessidade de mudança no Marco Regulatório e a criação do Regime de Partilha. O governo federal entendeu rapidamente tal necessidade. Após um ano de extensivas discussões, a nova lei foi aprovada pelo Congresso, garantindo à União a propriedade das descobertas e controle dos contratos através da PréSal Petróleo S.A. E a grande novidade incorporada à legislação é a garantia da PETROBRÁS como operadora dos blocos, com no mínimo 30% de participação nos consórcios a serem formados. É a empresa operadora que detém e desenvolve tecnologia; esse foi o aprendizado da PETROBRÁS na Bacia de Campos. E mais do que isso, é a operadora que detém a capacidade de desenvolver os projetos de engenharia e escolher as empresas que fornecerão os serviços. E isso tem que ser usado em benefício do Brasil.

AGERN: A PETROBRAS detém o conhecimento científico necessário para a exploração do Pré-Sal?

Todo o conhecimento geocientífico sobre o Pré-Sal está conservado no Brasil, concentrado por um grupo de geólogos pesquisadores da UNESP – Rio Claro. Se nós transferirmos a operação dos blocos para empresas estrangeiras, vamos transferir junto esse poder de decisão. Todos sabem que os centros de pesquisa dessas grandes companhias estão em seus países sede, ou seja, no caso da entrada de outras empresas operadoras, as tecnologias seriam encomendadas aos seus países de origem. Além disso, precisamos desenvolver os projetos de engenharia. Um colega meu dizia: “Estrella, não adianta fazermos os projetos de conteúdo nacional, acéfalos”. Isso é verdade. Não adianta só fabricar no Brasil. Precisamos projetar, planejar, instalar e operar no Brasil. Tem que botar a inteligência brasileira. E isso tudo quem garante é a operadora. Quando aceitamos o convite para a Diretoria de Exploração e Produção ficou muito claro que a PETROBRÁS teria que reassumir o seu papel de condutora do setor petrolífero nacional. Mudamos de um país dependente, em 2002, para um país completamente autossuficiente, em termos de combustíveis. Além disso, o Pré-sal nos dará condições de ganhar autossuficiência em outras áreas, como em fertilizantes, por exemplo. Na atual conjuntura política vivenciada pelo país, o cenário implica na necessidade de se pensar estrategicamente, para não pôr em xeque a Soberania Nacional. Dentro desta perspectiva, o efetivo controle, a gestão e a operação de produção de energia no país devem estar nas mãos do Estado Nacional e de empresas genuinamente brasileiras.

AGERN: As Bacias Terrestres perdem importância diante do Pré-Sal?

Com relação aos campos produtores nas bacias terrestres precisamos considerar que a empresa já possui toda uma infraestrutura instalada. Mesmo alguns campos com rentabilidade marginal devem ser considerados dentro de um Polo de Produção, o que os torna economicamente rentáveis. Então, de nada adianta vender tais áreas para pequenos investidores privados, que não têm a experiência, a história e a competência da PETROBRÁS, em termos de eficácia e eficiência na produção. A empresa opera alguns desses campos há mais de cinquenta anos. Esses campos são um patrimônio estratégico brasileiro, uma riqueza brasileira. Uma vez me perguntaram se o petróleo do Urucu (AM) e era melhor que o da Bacia de Campos. Então, o colega Figueiredo, que estava ao meu lado, pediu a palavra e respondeu: “o melhor petróleo é o petróleo brasileiro”. Essa frase tem uma lógica fantástica: se descobrimos petróleo aqui, produzimos aqui, então, geramos empregos, desenvolvemos tecnologia e utilizamos a engenharia brasileira. Nós precisamos ter sempre presente a importância da trajetória firmada a partir de 2003, quando a empresa alavancou o país de uma posição de dependência para uma posição de nação soberana. O Brasil passou de um simples observador da cena mundial para um protagonista geopolítico mundial no Século XXI. Os extraordinários resultados da PETROBRÁS na última década, como de resto ao longo de seus mais de 60 anos, desmascaram os reais objetivos desta campanha lesa-pátria em que insistem os poderosos defensores de interesses não brasileiros na tentativa de desestabilizar a Companhia e o Brasil.

AGERN: Qual a importância para o geólogo Guilherme Estrela de um número tão grande de jovens assistindo sua palestra?

 Esses jovens universitários são o futuro do Brasil. Eu sempre gosto de mostrar aos jovens o que aprendi com meu professor de Planejamento Estratégico que, aos 80 anos, não se cansava de ensinar: “a pior coisa que pode acontecer a um País é permitir que transformem suas oportunidades em ameaças”. Hoje em dia, a todo o momento, a imprensa tenta nos convencer que o Brasil é uma ameaça para os brasileiros, que nós temos que abrir a economia para os estrangeiros. Não tenho nada contra os estrangeiros, mas não concordo. O Brasil é uma potência. A importância geopolítica do Brasil para o mundo é inegável. Somos um país que fala a mesma língua do Oiapoque ao Chuí! As pessoas da minha geração não se deram conta disso, mas esses jovens têm que saber: esse é o nosso País e nós temos que cuidar dele.

Por Erta Souza e Orildo Lima