CARTA DE NATAL: A revisão do Plano Diretor de Natal e o Futuro da Nossa Cidade

Que futuro queremos para a nossa cidade, a Cidade de Natal?

Estamos na reta final para aprovação da revisão do Plano Diretor da Cidade de Natal. O projeto encaminhado pela Prefeitura à Câmara de Vereadores da capital potiguar tem, em princípio, o prazo de dois meses para sua aprovação, conforme recomendado pelo Prefeito de Natal.

Todavia, nada justifica que um projeto complexo como a revisão do Plano Diretor da Cidade de Natal, que irá definir o futuro da cidade, seja aprovado a “toque de caixa”, como deseja a Prefeitura. É consenso que a população natalense deseja uma “Cidade Saudável e Sustentável”. Mas, qual é o conceito de “Cidade Saudável”?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma “Cidade Saudável se caracteriza, entre outros itens, por representar um ambiente físico limpo e seguro, com ecossistema estável e sustentável, ausência de espoliação humana, alto grau de participação social, necessidades básicas satisfeitas, orgulho e respeito pela herança biológica natural e cultural, meios de produção e serviços públicos acessíveis a todos e alto nível nos indicadores de saúde.”

Em sintonia com esse conceito, portanto, parece-nos que a revisão do Plano Diretor, em vez de buscar possibilitar aos habitantes da capital potiguar uma Cidade Saudável, visa essencialmente o crescimento da cidade a qualquer custo. A visão mercantilista de mundo atropela a visão do “Papel Social” da cidade.

Assim, considerando que o Plano Diretor representa o mapa com os caminhos que a Cidade do Natal deverá percorrer, nos próximos dez anos, apresentamos a seguir algumas questões que consideramos críticas, e que devem ser analisadas com maior profundidade, antes da aprovação da redação final do projeto em apreciação na Câmara de Vereadores.

Ameaças que surgem na reta final

A revisão do Plano Diretor de Natal está chegando à reta final. E este é o momento em que a sociedade e seus representantes devem estar mais atentos, já que, no apagar das luzes, itens danosos para a cidade e seus cidadãos podem ser definitivamente incorporados ao texto. Cada parágrafo, cada palavra da proposta de revisão do Plano Diretor, portanto, precisa ser muito bem avaliada, a fim de que se evitem armadilhas de consequências potencialmente negativas.

É sabido que existe um grande interesse no aumento da verticalização da cidade, particularmente na faixa costeira. Também é notória a pretensão quanto à ocupação de algumas áreas protegidas por questões ambientais. Todavia, não podemos aceitar que a urbanização da nossa cidade passe por cima de preceitos que garantam o bem-estar dos seus habitantes e a harmonia da sua arquitetura com o ambiente costeiro, que é um cartão postal de Natal.

Nesse sentido, três aspectos devem balizar revisão do Plano Diretor:

1º. A cidade do Natal está construída sobre o seu principal reservatório de água potável, o Sistema Aquífero Dunas-Barreiras, já, em grande parte, com registros de contaminações químicas, especialmente nitrato, decorrentes de atuações antropogênicas. Daí a necessidade de preservação das “áreas de recarga” desse importante aquífero, visando o seu reabastecimento natural pelas águas das chuvas. Em complemento a isso, o Plano Diretor deve contemplar medidas de redução da impermeabilização do solo causada pelas edificações, incluindo a pavimentação de ruas e logradouros. Em síntese, o PDN deve buscar recuperar a capacidade de a cidade reter uma boa parte de suas águas pluviais e, consequentemente, de aumentar a recarga dos aquíferos subterrâneos e lagoas de captação.

2º. O “gabarito” da faixa costeira da cidade não deve ser alterado para permitir a construção de edifícios que irão criar “barreiras térmicas” e alterar o perfil arquitetônico da orla, provocando prejuízos aos moradores da cidade. É importante tomar como uma referência o denso documento do IPCC, assinado por 234 autores de 65 países, que destaca, entre outros muitos itens, que ondas de calor já triplicam no mundo atual em comparação com o período de 1850 a 1900; que variações extremas de temperatura, que aconteciam uma vez por década, hoje podem ocorrer 2,8 vezes no mesmo período, e que, comprovadamente, esses fatores contribuem para o aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos ligados às mudanças climáticas.

3º. As zonas de proteção ambiental devem ser preservadas e, se possível, ampliadas, por abrigarem ecossistemas importantes para o equilíbrio ambiental da cidade.

Abrir mão desses três cuidados é agir no sentido de comprometer a saúde da cidade e de seus habitantes. Cabe, pois, o seguinte alerta: conforme registra matéria publicada pela agência de reportagem “Saiba Mais”, a proposta de revisão finalizada pela Prefeitura introduz diversas alterações no texto do atual Plano Diretor de Natal. E, na avaliação da Associação de Geólogos do Rio Grande do Norte (AGERN), tais modificações são prejudiciais à cidade e aos seus cidadãos. São elas:

Aumento da verticalização dos prédios

De acordo com Plano Diretor vigente desde 2007, a altura máxima dos prédios permitida hoje, é de 65 metros (22 pavimentos) em alguns bairros, e de 90 metros (30 pavimentos) em outros. Mas, a proposta atual permite a construção de prédios com até 140 metros (46 pavimentos) em toda a cidade, independentemente de qual região esteja localizado o imóvel.

Praia da Redinha

Para a região que abrange a Praia da Redinha e o Rio Potengi, a zona especial de interesse turístico 04, a proposta é que a autorização de construção passe dos atuais 7,5 metros (2 pavimentos) para 30 metros de altura nas construções (10 pavimentos). Com isso, seria possível erguer prédios mais altos em toda essa região da orla, o que modificaria o sistema de circulação de ventos na cidade e poderia ampliar a área de sombra na beira-mar, um problema já vivenciado por outras cidades litorâneas.

Entorno do Parque das Dunas

Pelo atual Plano Diretor, o limite para construções no entorno do Parque das Dunas varia de seis metros (2 pavimentos) a 30 metros (10 pavimentos). Mas, pela proposta de modificação, o limite máximo sobe para 140 metros (46 pavimentos). No caso do Parque das Dunas, a altura permitida das construções passaria dos atuais seis a 12 metros para 140 metros. A mudança também afetaria regiões como Potilândia, que passaria de seis para 140 metros. O mesmo pode acontecer no Conjunto dos Professores (construções passarão de seis para 140 metros), na região do Campus Universitário da UFRN (seis a 12 metros para 140 metros), em Lagoa Nova (de 15 metros para 140) e no Tirol (de 30 metros para 140).

Modificações diminuem áreas de proteção

Natal tem, ao todo, 10 (dez) Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs), que são áreas demarcadas dentro da cidade por causa de sua importância ecológica, paisagística ou de sua fragilidade física, e que, por lei, precisam ser preservadas e recuperadas. Nessas áreas, onde se encontram campos dunares, lagoas, rios, mangues, estuários, praias e mata atlântica, há restrição total ou parcial para uso e ocupação do solo.

Na proposta de revisão do Plano Diretor, no entanto, são excluídas extensões significativas das ZPAs 1, 8 e 10, ora liberando a construção de novas edificações em áreas de recarga do aquífero; ora permitindo intensa verticalização em faixas da orla marítima; ora ameaçando manguezais, considerados berçários marinhos, por permitirem a reprodução e alimentação de inúmeras espécies de moluscos, crustáceos, peixes, aves e mamíferos.

Assim, conforme afirmado no início desta Carta, não podemos permitir que, de modo oportunista, na reta final da aprovação da revisão do Plano Diretor de Natal, sejam incluídas propostas que tragam prejuízos para a cidade e para os seus habitantes. A visão mercantilista não pode sobrepujar a manutenção da qualidade de vida dos natalenses.

Reforçamos, pois, a necessidade de maior transparência quanto à formatação final da proposta de revisão do Plano Diretor de Natal, oferecendo-se condições para que todos os segmentos sociais da cidade possam se manifestar, abertamente, sobre o texto que já se encontra na Câmara de Vereadores.

Natal, 27 de outubro de 2021.

Associação Profissional de Geólogos do Rio Grande do Norte (AGERN)

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